Um dos ditados populares mais antigos alerta e não é de hoje: “Tudo na vida tem seu preço”. Supostamente, erra quem pensa diferente. Ingênuo é aquele que tenta ignorar a parcela de sua “dívida” perante o que adquire.
Quem sabe, a razão pelo qual o valor das coisas não seja tão facilmente reconhecido – apesar dos alertas - seja por não ser cobrado nas condições monetárias habituais. Ou quem sabe seria pela mais pura falta de interesse do pagador em descobrir mais sobre essa negociação da sobrevivência – produto do nosso inevitável egoísmo -. Pra mim, particularmente, certo mesmo é que não há nada, absolutamente nada, que não possua seu preço equivalente... É, mas meu amigo é mais um que esqueceu-se disso! Ou evitou aprender. Ou não se interessou em averiguar o que há de veracidade nessa metáfora. O fato é que anda por aí criando seus personagens e iniciando novas contas, outras tantas dívidas...
Faz grandes planos, deseja sofregamente alcançar mudanças, busca suas melhoras e a vida, ainda no prejuízo, sempre insistindo em não atender os tais apelos. Ele não entende o porquê. Talvez precise compreender que não se pode desejar demais quando a doação é de menos! Precise aceitar que as idéias de esperteza acima da média e de vantagens fáceis só aumentam seu ônus... “Malandragem, dá um tempo!”... gostaria de ter o poder de despertá-lo para algumas de suas condutas, mas tenho certeza que se assim fosse, seria considerado tudo, menos amigo. Escrevo então o que sinto.
Entre seus desejos está a vontade de ser independente. E ser independente pra ele representa, antes de qualquer outro valor moral, ter dinheiro... Ter mais dinheiro que muitos, mesmo que não saiba ainda o que fazer com ele - pelo menos nada que ultrapasse a barreira intransponível da futilidade que faz questão de gritar aos quatro ventos -. No fim das contas, tal propósito se revela como uma espécie de orgulho por não precisar mais de ninguém e isso é ruim, porque não precisamos das pessoas apenas levando em consideração o que elas tem de vantajoso para nos oferecer... Elas precisam da gente também! Atrelando-se um desejo íntimo a uma perda qualquer de quem quer que seja, não se pode contar com a complacência do universo – que todo mundo já sabe, conspira! -. Prefiro acreditar que ninguém precisa incluir o lamento do outro em seus sonhos, porque desse jeito as coisas não acontecem naturalmente, ficam presas à mesquinhez e nunca conseguem ser plenas por mais que se tornem reais. E ele sofre sem perceber seu erro, ainda assim, não foi capaz de descobrir quem é de verdade o seu maior inimigo.
Deseja amar. Busca alguém. Sonha encontrar a metade da sua fruta preferida - seja ela classificada como maça, laranja, pouco importa, desde que não tenha um sabor amargo a oferecer -. Só se esqueceu que amar também é renuncia e que toda e qualquer convivência trará agregada os inevitáveis defeitos do outro – que acabarão por se mostrarem despudoradamente -. Porém, sem a menor culpa, ele insiste em ser intolerante com todos que lhe cercam. Assim não é difícil concluir que se alguém é incapaz de tolerar quem está próximo, se não faz questão de combater tal característica dentro da sua rotina diária, provavelmente ainda não esteja preparado para ser atendido em seus anseios amorosos. Pra quê? Que garantias a vida pode ter nesses casos? Estaria tal almejante sendo incoerente com os seus próprios desejos ou se mostrando incapaz de administrá-los? É preciso pagar o preço! Relacionamentos frustrados aglomeram-se em seu histórico. Ele continua sem entender o tal porquê. Desafios são oportunidades de amadurecimento, mas meu amigo não quer se dar ao trabalho de sequer tentar reconhecê-los. Condena. Maltrata. Renega. “Golpeia o adversário”! Esquecendo-se de querer melhorar-se, esquiva-se do acerto de contas. Acho até que até já perdeu suas contas. Talvez esteja devendo mais do que pode pagar.
Almeja também reconhecimento, mas é incapaz de cumprir com seus compromissos em tempo hábil. Ignora a maioria deles, está sempre atrasado na hora de usufruir dos mais promissores encontros, achando, quem sabe, que terá sempre uma segunda chance. Até quando? É expert em criar desculpas esfarrapadas e isso o arrasta à ingratidão com quem o estende a mão e dedica-lhe confiança. O que será que o faz crer que desperdiçando suas melhores chances alcançará suas maiores aspirações? Ao invés do esforço pessoal em melhorar-se, dedica-se ao condenável costume de furtar das pessoas o que elas têm de melhor – seja uma idéia, um sonho, um hábito -. Sua personalidade se assemelha a uma colcha de retalho, composta por coisas extraída dos outros. Isso é profundamente intrigante!
Hoje, desanimado com as minhas conclusões a respeito dessa amizade, me faço vários questionamentos: “Quando o sol irá bater em sua janela?” Até quando dividirá seu tempo entre tentativas frustradas e objetivos nitidamente inconsistentes? De onde virá o alimento para toda essa irresponsabilidade com seu próprio destino? Porque será que as tantas tentativas de alerta no seu caso são sempre ineficazes? Até quando acreditará inocentemente que sairá desse recinto em que atualmente pousamos morada sem pagar seu proporcional aluguel? A quem acredita repassar seus débitos? Quanto tempo ainda lhe resta para quitá-los? Quantas mais interrogações existirão nesse universo particular?
Hoje reconheço que ele me ensina a viver, mas curiosamente é incapaz de absorver algo de bom entre as suas próprias experiências e por isso padece. Mesmo que camufle sua tristeza atrás do seu bom humor exacerbado, sei que padece.
Assim segue a vida - e a vida do desse amigo - aguardando seu pagamento num valor justo, valor este que todos podemos arcar, mas que muitas vezes, por descuido ou falta de compromisso, negligenciamos...
Apolinário Júnior.
Música: ”Personagem” (Jorge Vercilo/ Ana Carolina)
Intérprete: Pedro Mariano.
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