domingo, 8 de novembro de 2009

Texto para um domingo de sol: ARNALDO JABOR!

"Amor é prosa, sexo é poesia"



"Sábado, fui andar na praia em busca de inspiração para meu artigo de jornal. Encontro duas amigas no calçadão do Leblon:


- Teu artigo sobre amor deu o maior auê... – me diz uma delas.

- Aquele das mulheres raspadinhas também... Aliás, que você tem contra as mulheres que barbeiam as partes? – questiona a outra.

- Nada... – respondo. – Acho lindo, mas não consigo deixar de ver ali nas partes dessas moças um bigodinho sexy... não consigo evitar... Penso no bigodinho do Hitler, do Sarney... Lembram um sarneyzinho vertical nas modelos nuas... Por isso, acho que vou escrever ainda sobre sexo...



Uma delas (solteira e lírica) me diz:



- Sexo e amor são a mesma coisa...



A outra (casada e prática) retruca:



- Não são a mesma coisa não...

Sim, não, sim, não, nasceu a doce polêmica ali à beira-mar. Continuei meu cooper e deixei as duas lindas discutindo e bebendo água-de-coco. E resolvi escrever sobre essa antiga dualidade: sexo e amor. Comecei perguntando a amigos e amigas. Ninguém sabe direito. As duas categorias trepam, tendendo ou para a hipocrisia ou para o cinismo; ninguém sabe onde a galinha e onde o ovo. Percebo que os mais “sutis” defendem o amor, como algo “superior”. Para os mais práticos, sexo é a única coisa concreta. Assim sendo, meto aqui minhas próprias colheres nesta sopa.



O amor tem jardim, cerca, projeto. O sexo invade tudo isso. Sexo é contra a lei. O amor depende de nosso desejo, é uma construção que criamos. Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém sofre de tesão. O sexo é um desejo de apaziguar o amor. O amor é uma espécie de gratidão posteriori pelos prazeres do sexo.



O amor vem depois, o sexo vem antes. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento.



No sexo, o pensamento atrapalha; só as fantasias ajudam. O amor sonha com uma grande redenção. O sexo só pensa em proibições: não há fantasias permitidas. O amor é um desejo de atingir a plenitude. Sexo é o desejo de se satisfazer com a finitude. O amor vive da impossibilidade sempre deslizante para a frente. O sexo é um desejo de acabar com a impossibilidade. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrrário não acontece. Existe amor sem sexo, claro, mas nunca gozam juntos. Amor é propriedade. sexo é posse. Amor é a casa; sexo é invasão de domicílio. Amor é o sonho por um romântico latifúndio; já o sexo é o MST. O amor é mais narcisista, mesmo quando fala em “doação”. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo no egoísmo. Amor e sexo são como a palavra farmakon em grego: remédio e veneno. Amor pode ser veneno ou remédio. Sexo também – tudo dependendo das posições adotadas.



Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do “outro”; o sexo, no mínimo, precisa de uma “mãozinha”. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até mas sozinhos, na solidão e na loucura. Sexo, não – é mais realista. Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. Amor muitas vezes e uma masturbação. Seco, não. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora, o amor vem de nós e demora. O sexo vem dos outros e vai embora. Amor é bossa nova; sexo é carnaval.



Não somos vítimas do amor, só do sexo. “O sexo é uma selva de epiléticos” ou “O amor, se não for eterno, não era amor” (Nelson Rodrigues). O amor inventou a alma, a eternidade, a linguagem, a moral. O sexo inventou a moral também do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge. O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um caubói – quando acaba a valentia, ele vem e come. Eles dizem: “Faça amor, não faça a guerra”. Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas... O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica. O sexo sempre existiu – das cavernas do paraíso até as saunas relax for men. Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provinciais do século XII e, depois, revitalizado pelo cinema americano da direita cristã. Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é poesia. Amor é mulher; sexo é homem – o casamento perfeito é do travesti consigo mesmo. O amor domado protege a produção. Sexo selvagem é uma ameaça ao bom funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de controla-lo é programa-lo, como faz a indústria das sacanagens. O mercado programa nossas fantasias.



Não há saunas relax para o amor. No entanto, em todo bordel, FINGE-SE UM “AMORZINHO” PARA INICIAR. O amor está virando um “hors-d’oeuvre” para o sexo. O amor busca uma certa “grandeza”. O sexo sonha com as partes baixas. O PERIGO DO SEXO É QUE VOCÊ PODE SE APAIXONAR. O PERIGO DO AMOR É VIRAR AMIZADE. Com camisinha, há sexo seguro, MAS NÃO HÁ CAMISINHA PARA O AMOR. O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados. Sexo precisa da novidade, da surpresa. “O grande amor só se sente no ciúme” (Proust). O grande sexo sente-se como uma tomada de poder. Amor é de direita. Sexo, de esquerda (ou não, dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta). E por aí vamos. Sexo e amor tentam mesmo é nos afastar da morte. Ou não; sei lá... e-mails de quem souber para o autor."



Outras palavras...


Essa é uma das crônicas mais delicadas de Jabor... e uma das minhas preferidas de todos os tempos! Geralmente as pessoas tomam conhecimento do texto através da música de Rita Lee (e Roberto de Carvalho, lógico), que uma vez envolvida  pela sensibilidade dessa idéia, resolveu criar um hit com o mesmo nome, seguindo a mesma proposta, que logo caiu no gosto popular. A música "Amor é prosa, sexo é poesia"  está no cd "Balacobaco" (na versão de Rita: "Amor e sexo"), lançado em 2003 e batizou ainda um dos últimos livros do crítico, uma coletânea de suas melhores crônicas!
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Considero o amor um ótimo tema pra se tratar num domingo, aliás, tais palavras, de tão perfeitas, têm o poder de transformar qualquer dia em domingo! Mesmo pra quem já a conhece, vale a pena reler!
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Um dia feliz pra você!

8 comentários:

Wanderley Elian Lima disse...

Oi meu amigo, adorei o texto, aliás Jabor tem coisas ótimas. Amor e Sexo, Sexo e amor melhor os dois juntos.
Tenha uma ótima semana
Abração

Antônio disse...

Amor sem sexo é amizade. Sexo sem amor é apenas sexo. Shiii.. odeio essas taxaçõe, mas para o nosso entendimento ficar bem esclarecido é mesmo necessário algumas comparações, quiçá metáforas para tudo ficar de uma forma mais clara. Na verdade, o sexo deveria ser uma consequência do amor, e não o contrário, que é o que mais está acontecendo ultimamente. Os conceitos desses dois atributos tão presentes na vida de uma pessoa muda com o tempo, e isso acontece porque o homem também muda através de uma percepção fundamentada na sociedade. É preciso que saibamos viver, afinal, as experiências decorrentes da vida vão explicar direitinho as concepções que estamos discutindo por aqui. Abraços (restribuição)
valleww
www.antonizado.blogspot.com

Dalva Nascimento disse...

Oi, Junior!

Ler Jabor é bom em qualquer dia, seja com sol ou chuva... Quanto ao tema, é claro que a melhor coisa do mundo é sexo com amor e não tão somente sexo. Mas sexo por sexo também pode ser bom. Por isso acho que precisa-se diferenciar "sexo" de "fazer amor": fazer amor, a gente faz com quem ama e nos ama. O resto é só sexo. O que não quer dizer que seja ruim, pode até ser muito bom, se existir entrosamento e vontade... mas é diferente. Com amor fica tudo melhor... Aí sim é fazer amor. O que nos leva verdadeiramente às alturas.

Boa semana!

Bjs.

Cristiano Contreiras disse...

Jabor sempre magnifico! Gosto mais de EU SEI QUE VOU TE AMAR, por sinal - antes era o filme.

apareça!

Nalvinha disse...

Adorei o texto de hj!!
Já li esse livro de Arnaldo Jabor e realmente essa é uma das melhores crônicas que tem...
E com amor tudo fica bem melhor mesmo!!

bjoo

NANDITA CAYMMI disse...

comecei a ler o texto e fui me lembrando de qdo li o livro. Como sempre, jabor é ótimo em suas sacadas. E vc tbm ótimo em perceber isso td.. rs... bjinhos

Unknown disse...

Pois é...

Quanta criatividade, não? E quanta precisão também! Quem sabe, sabe... quem pode, pode... nos cabe só aplaudir!

Cris.

Cláudia disse...

Arnaldo Jabor tem um olhar sobre as coisas impressionante. Muito interessante a maniera como ele escreve. Costumo sempre ler textos e ver vídeos.
Agora quero ler seus livros....rs

Bjss amigo!!

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