domingo, 13 de setembro de 2009

O DIA DE GENTE DE FÁTIMA


Pele branca, nome de santa, jeito meigo, alma inquieta. Esse era o perfil de Maria de Fátima. Quando chegou pra trabalhar naquela madrugada olhou ao seu redor e lembrou da música "Encontros e despedidas", de Milton Nascimento, mais uma entre tantas canções que compunham a trilha sonora da sua vida até ali. Como de costume, o aeroporto estava lotado. Idas, vindas, chegadas, partidas, pousos, incontáveis decolagens e ela no centro da engrenagem daquela roda viva. Tanta movimentação era a imagem mais dinâmica que pudera compartilhar nos últimos meses. Dividia suas horas entre o excesso de trabalho, as noites mal dormidas e as enfadonhas exigências cotidianas.


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Suspirou fundo antes de acomodar-se pela milésima vez em frente ao velho computador e ao lado da impressora barulhenta. Na salinha apertada, um pouco mais desanimada que o habitual, pensou na vida, refletiu sobre suas árduas madrugadas de trabalho e sobre o provável dia sem graça que viria na sequência. Pensou na música "Epitáfio" dos Titãs - em especial da parte que diz: "devia ter trabalhado menos...". Apesar de muita vida pela frente, sentiu-se desperdiçando sua juventude e naquela hora desejou um pouco mais de liberdade. Mas logo teve que afastar tais pensamentos, pois suas reflexões foram interrompidas pela porta aberta com violência e pelo barulho invasivo de seus colegas de turno tomando conta do espaço sem cerimônias. Só lhe restou como opção um pouso forçado na realidade!


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Apesar das duras provações, Fátima estava onde queria. Quer dizer, sempre desejou interagir com a área da aviação. Desde pequena vivia olhando pro céu, acompanhando as aeronaves que voavam baixo em seu quintal se preparando para o pouso. Sonhava em estar dentro deles, em ser aeromoça, viajar muito, conhecer o mundo e outras culturas e ainda ganhar por isso! Não tinha medo do perigo, nem da distância, gostava de pensar na possibilidade de viver sem os pés no chão! Ao invés de alimentar receios, seus olhos brilhavam satisfeitos só em visualizar nessa possibilidade.

Contudo, o que conseguira até ali  foi uma vaga Trainee numa Cia aérea de pequeno porte. Bem, já era alguma coisa, além do mais, com o tempo aprendeu a gostar do que fazia, embora ainda assim lhe faltasse muita coisa pra perseguir. Não estava completa e naquela madrugada isso parecia mais evidente que o habitual.


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Atendeu a fila imensa que se formara em questão de instantes no saguão - de onde surgiu tanta gente tão de repente? -, liberou embarques, supervisionou aeronaves, administrou atrasos, ouviu resignada as reclamações recorrentes dos clientes e suas eternas bagagens extraviadas - que ali tinham sempre razão, literalmente - e o dia seguiu como de costume.


Quando os primeiros raios de sol finalmente resolveram aparecer, anunciando que seu calvário chegava ao fim, estava exausta. De toda a correria só restara muito cansaço e o silêncio que pairava absoluto por entre os corredores do aeroporto. Pegou um café amargo para espantar o sono, encostou-se de braços cruzados diante da janela suja da salinha apertada e acompanhou a decolagem da última aeronave do seu plantão... nos ouvidos, o mp3 sintonizado na sua rádio preferida. Música definitivamente costumava ser a sua melhor companhia!


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Por alguns instantes desprendeu-se do chão, exatamente como fazia o avião dentro da janela estreita. Iniciou uma viagem em companhia da letra da canção que tocava na FM. Havia alguma coisa especial acontecendo, a mensagem parecia dialogar diretamente com seus sentimentos naquele dia. Dizia: "...hoje é meu dia de gente... hoje é proibido dormir"! Pensou: seria o universo (que conspira!) tentando lhe dizer algo? Não demorou a concluir: "é exatamente disso que preciso, vou proclamar o hoje como o meu dia de gente... nada de sono, nada de dormir... a vida lá fora me espera"! Ah, já retomando o seu bom humor, não deixou de levar outra possibilidade em consideração: "Ops, será que alguém colocou alguma coisa dentro desse meu café?"




CONTINUA...

5 comentários:

Josianne disse...

Jú, quando o assunto é leitura de boa qualidade, vc se destaca com bastante facilidade, vc é um escritor completo, consegue escrever muito bem sobre seus próprios relatos, é um critico maravilhoso de música e de cinema e agora entrando no mundo dos contos.
Muito bom, eu amei, ou melhor, eu adoro tudo o q eu vejo aqui, e torço pra que Deus te dê mais e mais inspiração, pois a gente merece!
Beijosss.

Cristiano Contreiras disse...

Junior, é interessante a proposta do seu Contatos Imediatos - pois, de cara, nos adentramos a seu universo bloguístico de vertentes variadas, caro.

Você mescla informação, sensibilidade, literatura - isso torna o blog prazeroso, te sigo de perto...viu? um abraço!


ahhhh, eu adorei OS NORMAIS 2, ri a beça! abs

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Como é que é??? Vai ter "contos" também, é isso? E eu que achei que estava tudo completo já!rs...

Maravilha demais... ansiosa pela continuação, querido!

CRIS!!!

Cláudia disse...

ADOREIIIII!!!!!!....conta maissss vaiiii......

beijoo
Madrinha

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